segunda-feira, 6 de junho de 2011
Fenômenos climáticos extremos estão mais frequentes e a população, mais vulnerável
(O Globo) O clima da Terra, o imenso oceano de ar que envolve nosso planeta, é mais misterioso do que a Lua. Mas já deu sinais claros de que esta é uma época de mudança. Especialistas dizem ser impossível, por enquanto, afirmar que o aquecimento global está por trás de eventos como as chuvas da Serra, as de abril de 2010 e 2011 no Rio, as enchentes devastadoras em São Paulo e as ressacas atípicas, como a que atingiu semana passada a orla carioca e de Niterói. Houve ainda chuvas torrenciais no Norte e no Nordeste. Certeza mesmo há duas. A primeira é que as cidades, ao alterarem profundamente rios, encostas e solos e concentrarem populações contadas na casa dos milhões, geram seu próprio clima e risco. A segunda é que, por sermos muitos, e muitas vezes em lugares de risco, nossa vulnerabilidade nunca foi tão alta aos fenômenos climáticos.
- Entramos num novo regime climático. Um regime de extremos. Nas grandes cidades, que modularam o próprio clima, ele já está em curso. A sociedade brasileira precisa se conscientizar de que chuvas e secas extremas não serão mais esporádicas. Já são rotineiras - diz Marcos Sanches, do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Inpe, em Cachoeira Paulista.
A professora do Departamento de Meteorologia da UFRJ Claudine Dereczynski, especialista em chuvas, lembra que em 6 de abril de 2010 choveu mais no Rio do que as máximas registradas na Serra em janeiro. Então o que pode ter feito a diferença entre as duas catástrofes é a grande exposição ao risco nos vales e encostas da Serra, numa região com o solo já saturado por dias de chuva contínua.
- Nos últimos 30 anos, dobrou em São Paulo a frequência de chuvas violentas. A intensidade dos fenômenos climáticos extremos aumentou. Mas o aumento da vulnerabilidade da população é muito maior - afirma o chefe do CCST, José Marengo
Há 15 anos, a cidade de São Paulo parava devido a grandes alagamentos uma vez por ano. Agora isso é rotina, observa Marcos Sanches.
Claudine acrescenta que as medições de estações no Alto da Boa Vista e em Santa Cruz indicam elevações no volume de chuvas e no aumento da temperatura, principalmente das mínimas. Isso significa que o calor dura todo o dia. Não há alívio. E não é só no verão. As pessoas costumam temer as chuvas da estação. Mas abril é um mês que reúne uma combinação explosiva de calor de verão com frentes frias, típicas do inverno.
- Não é surpresa que o Rio de Janeiro tenha sido castigado em dois anos seguidos por violentas chuvas de abril (6 de abril de 2010 e 25 de abril de 2011). Essas chuvas tendem a se tornar mais frequentes - explica Marcelo Seluchi, pesquisador do Centro de Precisão do Tempo e Estudos Climáticos do Inpe (CPTEC).
Há dois componentes para o aumento dos desastres naturais no Brasil. Um é humano. Há mais gente, e é maior a população em áreas de risco. O outro é atmosférico. As cidades formam ilhas de calor, com um microclima mais instável.
- A diferença de temperatura (a mínima, principalmente) entre o Centro do Rio e a periferia pode chegar a 4 graus Celsius. Em São Paulo, isso também ocorre. É o fenômeno da ilha de calor - diz Seluchi.
Gilvan Sampaio, do CCST/Inpe, destaca que, nos últimos cinco anos, têm sido observadas mudanças na distribuição das chuvas ao longo do ano:
- Chove o mesmo volume no total, mas ele é mal distribuído. O resultado são tempestades violentas.
Para Seluchi, é um fato concreto que a temperatura do planeta está em elevação:
- Têm aparecido fenômenos que antes não conhecíamos em determinadas regiões.
Especialista em tempestades, o meteorologista Ernani Nascimento, da Universidade Federal de Santa Maria, frisa:
- É indiscutível que os desastres estão mais frequentes, mas isso acontece porque estamos mais vulneráveis.
Nascimento chama a atenção para o fato de, nos últimos anos, terem sido registrados no Atlântico, junto à costa do Brasil, fenômenos com características de ciclone tropical, como furacões. O mais famoso deles foi o Catarina, em 2004, classificado como o primeiro furacão brasileiro. Mas antes dele, no mesmo ano, um fenômeno semelhante se formou junto à costa da Bahia. Foram registrados ainda o Anita (no Rio Grande do Sul, em 2010) e o Arani (em março de 2011, entre o sul do Espírito Santo e o norte do Rio). Estes, felizmente, não chegaram à terra.
- Não sabemos se eles já ocorriam e só agora são registrados, graças à melhora na tecnologia. Ou se são fenômenos novos. Sempre tivemos ciclones extratropicais. Mas ciclones tropicais têm ventos mais fortes e características diferentes e não existiam nessa parte do Atlântico - pondera Nascimento.
Seluchi diz que são grandes as incertezas, num mundo em transformação:
- Será que o Brasil um dia será afetado por furacões? Não sabemos ainda. Mas a população precisa estar preparada para eventos extremos.
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