terça-feira, 6 de setembro de 2011

Temporais no Sudeste devem triplicar nas próximas seis décadas, diz Inpe

(Correio Braziliense) Os dilúvios de verão que já causaram tragédias no país — como a que atingiu cidades da região serrana do Rio de Janeiro no início deste ano — podem triplicar nos próximos 60 anos. O alerta foi feito por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), após constatarem que o aquecimento das águas do Oceano Atlântico, nos últimos 20 anos, está aumentando consideravelmente a formação e a intensidade de chuvas, raios, vendavais e granizo. E não é só o estado fluminense que corre perigo. Todo o Sudeste deverá sofrer com, pelo menos, o dobro de temporais, em relação aos que atualmente atingem a região mais populosa do Brasil. A previsão é de que tais eventos se intensifiquem a cada década, triplicando no litoral e duplicando no interior. Os resultados do estudo, porém, podem ajudar ao país a se planejar e minimizar as consequências desses eventos.

A nova pesquisa, realizada em parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), traz ainda respostas que os cientistas há muito tempo buscavam. Não se sabia, por exemplo, por que, no Sudeste, em alguns anos há mais tempestades que em outros. Segundo o trabalho, os temporais em terras paulistas e fluminenses aumentam drasticamente quando ocorre uma conjunção específica entre as temperaturas dos oceanos Atlântico e Pacífico.

Para chegar a essa conclusão, o Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Inpe analisou dados meteorológicos das últimas seis décadas, obtidos das anotações feitas pelas torres de controle dos aeroportos do Rio e de São Paulo. Depois, o grupo contabilizou mês a mês a temperatura média das águas do Pacífico e do Atlântico. As tempestades se concentram nos períodos em que a região do Pacífico próximo à costa do Chile se resfria enquanto o Atlântico registra um comportamento inverso. “Quando esses fenômenos ocorrem simultaneamente, a incidência de tempestades no Sudeste aumenta. Entretanto, quando atuam isoladamente, seus efeitos não são tão significativos”, explica Osmar Pinto Júnior, coordenador do Elat e da pesquisa.

De acordo com o engenheiro eletrônico, entre 1990 e 2010, o Atlântico teve um aquecimento médio da ordem de 0,6ºC, acompanhando o aumento de temperatura do planeta, da ordem de 0,8ºC. “Se a temperatura do Atlântico continuar subindo na mesma taxa atual e o Pacífico mantiver sua temperatura — o que é esperado, a partir dos dados existentes — estimamos que, em 2070, o número médio de tempestades no Sudeste será duas vezes maior em relação a número atual, sendo que nas regiões litorâneas deverá ser três vezes maior”, prevê Pinto Júnior.

Nas três cidades estudadas, São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas, a mesma tendência de aumento das tempestades para essa combinação das temperaturas dos oceanos foi verificada com um grau de confiabilidade superior a 99%. Em Campinas, no mesmo período de tempo em que os dados sobre o aquecimento do Atlântico foram obtidos — nos últimos 20 anos — o número de temporais subiu 30%. “Um índice considerado altíssimo e que pede estudos mais específicos sobre os oceanos”, afirma Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas para a Agricultura da Universidade Estadual de Campinas (Cepagre/Unicamp).

Efeito estufa
Embora ainda haja cientistas que veem as mudanças climáticas como um fenômeno natural, sem influência da ação humana, os dados existentes sugerem que as águas superficiais do Atlântico estejam se aquecendo em um ritmo maior por conta do efeito estufa. “Se as emissões de gases de efeito estufa continuarem como estão, o Atlântico vai se aquecer bem mais cedo do que as previsões feitas em nosso estudo”, alerta Earle Williams, do MIT.

A equação é bem simples: mais calor sobre o oceano faz com que a água se evapore mais rapidamente e com maior intensidade, provocando um número maior de nuvens pesadas. O resultado são temporais mais intensos e frequentes. Na prática, porém, as coisas são bem mais complicadas, já que a massa de água que recobre 71% da Terra forma conexões complexas com a atmosfera ainda não compreendidas totalmente pela ciência. Os modelos climáticos utilizados no mundo estão longe de reproduzir a realidade que ocorre no planeta. “É como se estivéssemos usando uma pedra para cortar carne, em vez de uma faca. Ainda precisamos de décadas para desenvolver modelos climáticos que tragam a realidade dessas conexões”, esclarece Pinto Júnior.

Contudo, o coordenador do Elat enfatiza que os resultados da pesquisa comprovam a relação entre o aumento de temperatura das águas do Atlântico e a ocorrência das tempestades. “Não importa a causa. O que importa, agora, é tomar decisões que possam evitar maiores danos futuros”, aponta. E a prevenção é necessária. O cenário futuro, segundo os especialistas, não é nada animador. No Rio de Janeiro, as tempestades dependem dos humores do oceano. Se, por um lado, o mar tende a minimizar o problema das enchentes, por outro, a intensidade da chuva e sua frequência provocam tragédias nas regiões de encostas desmatadas. “O resultado será o triplo de temporais na região, por influência direta do mar”, diz Pinto Júnior.

No estado de São Paulo, a situação é agravada pela poluição. As altas emissões de carbono e outros gases tóxicos provocam o aumento de nuvens pesadas. O resultado é um volume maior de chuva em menos tempo e alta incidência de raios. “No caso de São Paulo, as mudanças climáticas não são apenas do ponto vista global, mas local. O crescimento da cidade torna difícil apontar o responsável pelos temporais”, diz o coordenador do estudo. “De qualquer maneira, essas tempestades são provocadas pela ação do homem”, ressalta Pinto Júnior. Até 2012, a equipe do Elat deve estender o estudo realizado no Sudeste para o restante do país.

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