quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Nomes de ventos remetem a mitos e histórias

(The New York Times / Folha) Quando estudei para me tornar piloto, aprendi os nomes dos ventos. É difícil não se encantar com sua poesia -o Harmattan, do Saara, o Mistral, da França, e o Oe, redemoinho desprovido de consoantes, das ilhas Faroe. Mas essa aristocracia eólica levanta questões. Por que alguns ventos têm nomes?

Brisas batizadas, diz Vladimir Jankovic, cientista da Universidade de Manchester, no Reino Unido, geralmente têm personalidades distintas -um coquetel reconhecível de força, época, direção, temperatura, duração e precipitação. Um nome, portanto, é também uma previsão. Mas os ventos carregam não só a força da meteorologia como também da história e dos mitos.

Jankovic observa que uma descrição feita no século 19 a respeito do vento de nordeste que sopra no inverno em Londres alertava para um catálogo de efeitos colaterais que mais parecia uma propaganda farmacêutica do século 21 -sintomas como "uma sensação de sufocação iminente" e "sono sem descanso, umedecido por uma incontrolável salivação". Não é de surpreender que muitos britânicos passem as férias na África do Sul, onde o Médico do Cabo é famoso por suas influências saudáveis (às quais esse vento deve seu nome).

A saúde mental também costuma ser carregada pelo vento. Diz a lenda que o Khamsin, famoso por elevar "temperaturas e temperamentos", era um fator atenuante quando juízes árabes sentenciavam criminosos. Quando sopra o Santa Ana, na Califórnia, "dóceis esposinhas sentem a lâmina da faca e estudam os pescoços dos seus maridos", escreveu Raymond Chandler.

Os gregos tinham uma caleidoscópica bússola de deuses eólicos, e numerosos ventos batizados ainda sopram no Mediterrâneo. Dois modelos da Volkswagen, o Scirocco e o Bora, devem seus nomes a ventos do Mediterrâneo e Adriático (um terceiro, o Passat, significa "vento alísio").

Ventos destrutivos costumam ter identidades particularmente fortes. Em seu livro "Oceano de ar", Gabrielle Walker descreve o Piteraq, vento da Groenlândia com rajadas capazes de jogar para longe os cães puxadores de trenós. No Adriático, os cientistas são capazes de mapear a trajetória do Bora pela densidade das pedras usadas nos telhados. O Santa Ana praticamente exala incêndios florestais.

Em contraste com a Califórnia, que também tem o Sundowner e o Diablo, os céus da Nova Inglaterra parecem culturalmente pobres. Herman Melville não encontrou um vento local para aquilo que zunia em torno da pensão Spouter-Inn, em New Bedford, nas páginas de "Moby Dick".

Mas a Califórnia não chega aos pés do Havaí. O vento sob as asas da havaiana Bette Midler, na canção "Wind Beneath My Wings", poderia ser um Ho'oluawahakole, um Malamalamamaikai ou qualquer um entre centenas de outros impronunciáveis (é melhor checar um mapa dos ventos).

Chicago tem um vento adequadamente chamado de Águia, e os Grandes Lagos temem a Bruxa de Novembro, famosa por afundar o cargueiro Edmund Fitzgerald, com a perda de todos os 29 tripulantes, em novembro de 1975. Mas sem dúvida o mais famoso vento da América do Norte é o Chinook (também comercializado como um salmão, um helicóptero e o cão "oficial" de New Hampshire).

Jankovic diz que a mudança climática pode tornar alguns ventos mais violentos, enfraquecer alguns outros e tornar outros "mais nômades". Na Nigéria, os climatologistas associaram recentes perturbações do Harmattan à mudança climática.

Será que o caráter cultural de um vento batizado se adapta ao clima? Ou será que alguns ventos, alterados, terão seus nomes esquecidos, por serem artefatos de um clima já inexistente?

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