quinta-feira, 10 de abril de 2014

A multiplicação dos raios no Brasil

Ilhas de calor urbanas e altas temperaturas dos oceanos contribuem para aumento da incidência

(O Globo) Entre 1951 e 2010, o número de dias com tempestades elétricas subiu em média 79% em 14 das principais cidades do Brasil na comparação com o registrado no início do século XX. E, embora grande parte desse aumento esteja sendo alimentada pelo próprio crescimento desordenado das cidades - que traz a reboque a formação das ilhas de calor urbanas e a piora da poluição do ar -, a elevação da temperatura da superfície dos oceanos Atlântico e Pacífico, possível reflexo do aquecimento global, também deixa mais carregado o céu do país. É o que indica a segunda parte de estudo inédito de Osmar Pinto Júnior, coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Elat/Inpe), que identificou a alta nos dias de tempestades e publica os resultados hoje no "International Journal of Climatology".

De acordo com o levantamento de Osmar, dependendo da região do país, da época do ano e do tipo de anomalia na temperatura dos oceanos, o aumento nos dias com tempestades elétricas pode chegar a 650%. É o caso do outono/inverno no Nordeste em meses sob forte influência do El Niño, fenômeno caracterizado pelo aquecimento da água na superfície do Pacífico. Já no Sudeste, sob as mesmas condições e no mesmo período do ano, a alta fica em 45%, enquanto no Norte atinge 30% (no Sul não foi verificada uma relação com o El Niño). Na primavera/verão, por sua vez, um El Niño forte eleva em cerca de 300% as chances de tempestades elétricas no Nordeste; em 30%, no Sudeste; e em 17,5%, no Sul, mas não provoca alterações identificáveis com confiança no Norte.

Monitoramento não é 'capricho'
Quando é a água do Atlântico que fica mais quente, porém, Osmar teve mais dificuldades em encontrar uma tendência confiável na incidência de tempestades elétricas para as regiões Sul e Sudeste do país. Segundo a pesquisa, o aquecimento da porção Sul do oceano aumenta em 40% o número de dias com raios na primavera/verão; e em 65%, no outono/inverno no Nordeste, enquanto no Norte essa alta fica em cerca de 30% e 20%, respectivamente. Já a elevação da temperatura de superfície do Atlântico Norte parece influenciar apenas o Nordeste, e no sentido inverso, diminuindo em quase 40% as chances de tempestades elétricas na primavera/verão; e em 60%, no outono/inverno da região.

- São fortes as evidências de que ambos os oceanos têm influência sobre a quantidade de tempestades elétricas no Brasil - comenta Osmar. - E, embora essa influência varie muito de acordo com a região e a época do ano, creio que o estudo serve como mais um alerta para as consequências do aquecimento global na temperatura dos oceanos e no clima. Hoje isso já é provável e, se for confirmado, pode ter grandes repercussões na circulação do ar e nas tempestades sobre a América do Sul. Por isso, precisamos monitorar com cuidado o que está acontecendo, principalmente no Atlântico Sul. Até 30 anos atrás, esse tipo de pesquisa era visto como um "capricho" de cientistas, mas hoje percebemos cada vez mais que o planeta se comporta como um todo. O que acontece em um lugar pode afetar o clima e a vida de pessoas muito longe.

Osmar lembra ainda que o Brasil já é o país onde mais caem raios no mundo. Todos os anos ocorrem entre 50 milhões e 60 milhões de descargas elétricas, algumas das quais atingem pessoas, causando aproximadamente 130 mortes, a maior parte em áreas rurais, além de prejuízos estimados em pelo menos R$ 1 bilhão. Por isso, o pesquisador do Inpe já trabalha em uma terceira etapa de seu estudo, na qual pretende avaliar como as ilhas de calor urbanas e a poluição estão alterando a incidência do fenômeno nas grandes cidades brasileiras. Segundo ele, embora a tendência seja que a quantidade de dias com tempestades elétricas continue a crescer, tal elevação deve atingir o que chama de "ponto de saturação", a partir do qual o que aumentará são as áreas afetadas e sua intensidade.

- Em São Paulo, hoje, já não vemos um acréscimo significativo no número de dias com tempestades, mas elas estão sendo sentidas cada vez mais nos municípios vizinhos. Também a intensidade das tempestades parece estar maior, com o aumento do número de raios mais fortes - adianta Osmar, que espera ter, em um ou dois anos, dados mais específicos para esclarecer a questão.
----
E mais:
Brasil teve em 2013 menor número de mortes por raios em 14 anos, diz Inpe (G1)


Nenhum comentário:

Postar um comentário