quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Inverno ficará até 4 graus Celsius mais quente no Brasil


(O Globo) Os termos técnicos do novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) podem ser estranhos à maioria da população, mas trazem um alerta. Se não houver uma mudança no padrão de vida, a temperatura aumentará de tal forma que, até o fim do século, o Brasil terá apenas uma nova estação — e ela será quente. O aquecimento da superfície provocará maior evaporação e, por isso, mais chuvas. Assim, haveria também uma alteração no funcionamento das hidroelétricas, a maior fonte de energia do país.

Uma das líderes de um capítulo do novo relatório do IPCC, Iracema Fonseca de Albuquerque Cavalcanti ressalta que, durante o verão, a temperatura aumentará cerca de 3 graus Celsius na América do Sul até 2100. No inverno, este crescimento chegará a até 4 graus Celsius. Na prática, isso significa um verão interminável.

As alterações seriam vistas já nos próximos 20 anos, quando a temperatura da América do Sul, no verão, deve subir até 2 graus Celsius. No inverno, este índice seria de 1,5 grau Celsius.

— Pode parecer pouco, mas esta é apenas uma média — explica. — São números que fazem diferença, porque em alguns anos o calor será bem mais intenso do que em outros. Como a temperatura aumentará mais no inverno, a tendência é que, durante o ano inteiro, as estações sejam mais parecidas. Mesmo em períodos mais frios, teremos mais ondas de calor, os veranicos.

Iracema ressalta que os fenômenos El Niño e La Niña serão observados no país com a mesma frequência, mas não se sabe se eles serão mais intensos.

Alguns fatores já aceleram a subida dos termômetros. Um deles, ainda negligenciado nos grandes relatórios das Nações Unidas, é a falta de planejamento urbano. No Rio, este fenômeno pode ser visto nos paredões de prédios da orla, que impedem a entrada da brisa marítima nos bairros, e a falta de praças.

— Andar na Avenida Presidente Vargas pode ser pior do que encarar o Deserto do Saara. Não há vegetação ao redor — compara Suzana Kahn, outra integrante da equipe de climatologistas do IPCC. — Os aparelhos de ar condicionado gelam os escritórios por dentro e expelem o calor, que se junta ao calor natural das áreas urbanas.

Se a atmosfera está aquecida, cresce a evaporação e, consequentemente, a quantidade de vapor d’água na atmosfera. Quando há mais nuvens, as chuvas são frequentes.

— As áreas de baixada próximas às regiões metropolitanas estarão mais vulneráveis a alagamentos — pondera. — O deslizamento de encostas, algo que já ocorre na Serra fluminense, é particularmente preocupante.

As precipitações devem aumentar no Oeste da Amazônia e no Centro-Sul do país. Segundo Iracema, as piores projeções seriam para a Região Sul:

— Um fenômeno climático, conhecido como Zonas de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), deixa uma enorme massa de nuvens estacionada sobre uma grande região do país. Aparentemente estas zonas vão se posicionar cada vez mais no Sul do Brasil.

Menos energia para o país
O Leste da Amazônia, mais exposto à agroindústria e afetado pelo desmatamento, pode ter sua vegetação cada vez mais parecida com a de uma savana. Em 2005 e 2010, a Amazônia registrou índices recordes de seca.

Alguns trechos do bioma poderiam ter suas precipitações reduzidas pela metade. Mudanças no padrão de chuvas da Amazônia afetarão o funcionamento das usinas e elevarão os custos. Com os seus grandes rios, a região é uma fonte de hidroeletricidade por excelência.

— Este processo de savanização deve ocorrer ao longo do século e trará impactos locais e globais — assinala o colombiano Walter Vergara, chefe da Divisão de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do Banco Interamericano de Desenvolvimento. — Uma mudança drástica do bioma diminuiria a quantidade de carbono absorvida pela floresta. Os gases-estufa, então, iriam para a atmosfera, contribuindo para o aquecimento global.

As mudanças climáticas, segundo Vergara, trariam, até 2050, um prejuízo de US$ 100 bilhões anuais para o planeta. Os impactos à agricultura podem ser reduzidos com o surgimento de novos modos de produção.

Como a alteração no regime de chuvas pode trazer prejuízos ao setor agrícola — no Brasil, especialmente na cultura de soja —, é necessário, segundo Vergara, aprimorar a tecnologia para este setor econômico.

— O Brasil teria de investir em sementes que possam reagir de forma mais saudável ao período de secas ou chuvas intensas. Outra alternativa é mudar as áreas de produção, levando-as para uma região em que o impacto ambiental seja menor. Mas é necessário estudar que áreas seriam estas.

Políticas públicas locais
Suzana Khan, no entanto, discute que o impacto econômico e ambiental não devem ser os únicos a pautarem a discussão relacionada às mudanças climáticas.

— Precisamos abordar, também, nosso atual padrão de consumo — alerta. — São medidas simples, como a menor tributação a iniciativas que usem recursos naturais, como os telhados verdes, e propagandas a favor do transporte público. Os carros, além de ocuparem mais espaço, são mais poluentes.

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