quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Mudanças climáticas podem ampliar tragédias naturais no Brasil


(O Globo) Tragédias naturais afetaram, entre 1991 e 2012, 96,2 milhões de brasileiros. O levantamento é do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, uma parceria entre a Secretaria Nacional de Defesa Civil e a Universidade Federal de Santa Catarina. Episódios como inundações e estiagens mataram 2.475 pessoas neste mesmo período. Estima-se que, nos próximos anos, as tragédias devam ser intensificadas por conta das inexoráveis mudanças climáticas. O país planeja mais do que dobrar o monitoramento em cidades de maior risco até o ano que vem, mas a situação ainda está longe de ser ideal.

A grande maioria dos municípios (93,5%) — no total, 5.201 — ainda não elaborou seus registros históricos de eventos extremos e cartas geotécnicas, informações fundamentais para que uma cidade possa ter suas áreas de risco monitoradas.

— Os municípios ainda não estão preparados para responder a desastres, como o deslizamento de encostas na Região Serrana do Rio em 2011 — assinala Antônio Edésio Jungles, coordenador do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (Ceped-UFSC) e do projeto do Atlas. — Não existe um planejamento a longo prazo. Enquanto isso, alguns eventos extremos abrangem uma área cada vez maior. A estiagem, por exemplo, costuma ser associada apenas ao Nordeste, mas agora também atinge o Noroeste do Rio Grande do Sul e o Oeste catarinense.

Pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe, José Marengo destaca que apenas as megacidades — São Paulo e, em menor escala, Rio e Curitiba — coletaram dados suficientes para organizar um sistema de prevenção de desastres naturais.

— Se não temos as informações de como o Brasil está hoje, não podemos estudar como será amanhã — lamenta. — É certo que as mudanças climáticas exercerão um papel fundamental em diversos fatores ligados ao futuro da sociedade, como a segurança hídrica, energética e alimentar. Mas não sabemos qual será a intensidade dos eventos extremos.

Falta de coordenação
Mesmo as metrópoles que dispõem de estatísticas ainda não entenderam o que é preciso fazer. Por isso, segundo Marengo, investem na construção de conjuntos habitacionais em áreas de risco e ignoram a evacuação de pessoas expostas à elevação do nível do mar.

— Ainda estamos engatinhando na adaptação das cidades às mudanças climáticas — critica. — Cada região tem sua própria vulnerabilidade, e precisamos conhecê-las detalhadamente para podermos atuar.

No ano que vem, um grupo interministerial fará um estudo preliminar sobre as políticas de adaptação ao clima em regiões densamente habitadas — entre elas, Rio, São Paulo, Recife e Salvador. A avaliação poderia incluir Manaus, para analisar o efeito do desmatamento naquela região da Amazônia; e uma localidade do bioma Pantanal.

— Como estas são regiões menos populosas, há menos pessoas afetadas por desastres naturais — explica Marengo. — Ainda assim, há um impacto ambiental nestes biomas, e precisamos saber como eles devem se adaptar às mudanças do clima.

Para Marengo, a população é vítima da falta de diálogo entre as esferas de governo e da inércia das autoridades locais.

— Falta coordenação. Os tomadores de decisão questionam a existência das mudanças climáticas. As autoridades estão cercadas por céticos e cientistas. Na dúvida, optam pela inércia, e esta falta de posicionamento culmina em um desastre com mortos — lamenta.

Os municípios, segundo Marengo, são os responsáveis por fornecer informações que, depois, serão repassadas ao governo federal.

Algumas cidades, mesmo sem dispor de todos os dados necessários, já são observadas por especialistas reunidos no Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Por enquanto, o órgão analisa os serviços meteorológicos e fenômenos climáticos de 360 cidades. A meta é que o sistema chegue a 814 municípios até o fim do ano que vem.

— Queremos desenvolver um sistema de previsão de ocorrências de desastres em todo o país — ressalta Regina Alvalá, coordenadora do Cemaden. — Os primeiros municípios foram selecionados pelo número de desastres, de mortes por acidentes, como o deslizamento de encostas, e pelo número de pessoas afetadas.

Segundo Regina, as maiores preocupações do órgão são as inundações na região costeira e a seca prolongada no Nordeste, que provoca o colapso da produção agrícola.

O Atlas do Sistema Nacional de Defesa Civil comprova a preocupação de Regina. Entre as pessoas afetadas por desastres naturais entre 1991 e o ano passado, 50,3% foram vítimas da estiagem, e 40,2% foram atingidas por inundações.

Outras metrópoles do planeta, aos poucos, engajam-se nas políticas de adaptação às mudanças climáticas. A organização internacional CDP publicou uma enquete com 110 grandes cidades do mundo. Apenas 54 têm projetos para prevenir eventos extremos.

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